Aprendizados de uma manhã
- Helena Maria Cosi
- 1 de nov. de 2017
- 3 min de leitura
Passei uma manhã com Liora na pracinha e voltei pra casa arrebatada. Mais uma vez a infância me convida a enxergar as relações que criamos. a lição do dia foi sobre o jogo de poder. Encontramos algumas crianças em nossa manhã. Todas elas traziam consigo brinquedos. Objetos de plástico coloridos que chamam bastante a atenção de um bebê de 1 ano. Assim que um boneco do Batman ou um baldinho verde surgem Liora, apressa seus passinhos em direção ao objeto! Estende a sua mão para pegar e se depara com o desejo do outro que é diferente do seu. O menino de 3 anos não quer dividir os bonecos. Nem o menino de 2 está disposto a entregar seu único balde para Liora explorar. Tudo bem, penso eu. Ela vai aprendendo a se relacionar aos pouquinhos, vai encontrar a frustração, ou a distração, ou o acolhimento, ou a raiva....seja lá o que ela for se deparar nesse caminho, vai ser valioso! Mas pra minha surpresa o que acontece? As cuidadoras obrigam as crianças a emprestarem o brinquedo para Liora com frases como: "se você não dividir eu vou guardar!" Ou "se você não emprestar a gente vai embora!" Ao me deparar com essa situação precisei me virar nos trinta, fazer uma escolha rápida sobre como seguir a partir dali. Na primeira vez escolhi levar Liora para um outro lugar da praça, mostrar outras possibilidades de encontro. Na outra falei: tá tudo bem, ela nunca viu um boneco desse na vida .. tá curiosa! Eu entendi q vc não quer emprestar, Chico. Se chamava assim o menino dos super-heróis.
A criança tá aprendendo o que ao ouvir essas frases? A compartilhar o que se tem? a fazer chantagem? a agradar o outro por medo das consequências? A obedecer quem tem poder sobre ela para não perder o direito de brincar com o que gosta? Que loucura o que contamos as crianças! Que qualidade de relações e encontros podem surgir a partir daí? A gente cresce, casa, tem filhos e vai dando continuidade aos jogos de poder em casa? É isso ?

Chantagem e ameaça. Hoje fui convidada a observar quantas vezes utilizei-os para conseguir o que quero. A criança denuncia de forma óbvia: se você não me emprestar a bola eu nunca mais sou seu amigo! Nos adultos refinamos o discurso de tal forma que fica quase imperceptível. Mas tá ali.. é só procurar que a gente encontra os vestígios no que falamos de forma verbal ou não. Às vezes é com um olhar. Aquele que desmonta o outro. Que deseja que ele se sinta culpado e totalmente responsável por nossas mazelas. Aquele que conta que se ele não mudar vamos deixá-lo sozinho. Que ele não é digno de receber nosso amor. Gente! É ou não é assim?? Tô viajando?!?
Esse ano de 2017 tô aprendendo tanta coisa que às vezes sinto que vou explodir. Às vezes parece que minha existência vai se tornar desnecessária. Bate um medo danado de morrer... dá até vontade de parar de aprender. De ficar estagnada só pra garantir a existência. Como se a vida fosse sobre isso.
Parece que é também sobre amar. E esse aprendizado teima em escapar pelos dedos. Ele vem, dá um sinal de vida, escapa.. aparece de novo... Hoje tô aprendendo que ameaça e chantagem emocional não tem nada haver com amor. Tenho buscado aliados para me ajudarem nesse novo jeito de caminhar. A famosa rede de apoio que ajuda a lembrar o que somos quando a gente esquece. Que mostra "olha aqui! você tá fazendo isso!" Caraca! Tô mesmo! Nem tinha me ligado... obrigada por me mostrar! E assim eu sigo. Cada vez mais espantada com o que consideramos ser o jeito normal de viver os encontros e as relações que a vida oferece.
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